Voltei a minha antiga casa, alguns meses atrás. Tinha lembranças tuas em cada metro quadrado.
Naquela varanda onde me despedi de ti tantas vezes, te abraçando e pedindo pra ficar sempre um pouco mais. Naquela cozinha onde eu cozinhava pra você mesmo não sabendo cozinhar. E te xingava sempre que você vinha se meter nas minhas panelas pra mostrar que, de fato, você sabia muito mais do que eu.
Naquele sofá, tão pequeno, onde a gente lutava pra coexistir. Violando as leis de Newton e provando que dois corpos podem sim ocupar o mesmo espaço. E ocupávamos. Você com dor no braço e eu sempre caindo no chão, mas a gente sobrevivia por uns 5 ou 6 minutos. Acho que já é o suficiente.
Olhei para as estantes onde costumava ter porta-retratos de nós dois, sorrindo. Mas nenhum havia sobrevivido. As fotos rasgadas já haviam sido jogadas fora há tempos e os porta-retratos - coitados - lançados sobre a parede em alguma das minhas tantas crises de quem não sabe como remediar a dor que soca a boca do estômago.
Eu precisava desocupar a casa, cara. Um novo morador a alugara e cuidaria dela pra mim. Mas para que ele a assumisse, eu precisava me livrar daquelas coisas. E de você. De tudo que restou lá e eu não tive coragem de mexer. De toda aquela mobília que só servia pra ocupar espaço e doer. Como aquele quadro meu que você pintou e pendurou no corredor pra eu sempre me lembrar do quanto era bonita. Era o que você dizia.
Comecei a tirar tudo de dentro dos guarda-roupas, armários e gavetas. Para encaixotar as coisas, inevitavelmente, precisamos trazê-las para fora de onde estão. E isso, talvez doa um pouco. Revi muitas coisas que eu não queria ter visto, mas, pelo menos, seria a última vez. E afinal, aquilo não podia ser tão difícil, ou podia?
Sim, podia. E foi. Porque o problema é que eu te amei, cara. Amei mesmo quando disse que não amava. Mesmo quando desliguei o telefone na sua cara umas 42 vezes. Mesmo quando eu disse adeus porque ficar doía demais. Mesmo quando você seguiu a sua vida fingindo não lembrar da minha existência. Mesmo quando eu tive que seguir a minha ignorando a sua.
Mesmo quando eu quebrei cada porta-retrato daquela casa. Mesmo quando tirei as suas chaves e disse pra nunca mais voltar. Eu amei, de verdade. Mesmo te mandando embora.
Encaixotei você com a mesma dor que encaixotei cada uma das suas, das nossas, lembranças. Porque eu precisava desocupar a casa. Era só mobília velha que servia pra doer e roubar espaço. Tinha gente nova querendo entrar, comprar, morar. Mas ninguém compra casa alugada, cara. Nem a felicidade.
A felicidade batia na minha porta mas não conseguia entrar porque não tinha espaço. E foi difícil, cara. Foi difícil guardar você numa caixa como se fosse nada e enfiar em um caminhão. Foi difícil doar os seus restos que invadiam os meus cômodos que antes eram tão felizes. Mas eu fiz.
Eu fiz, porque tinha que fazer. Eu fiz e faria de novo. Sua presença estava virando mofo que espantava todo mundo que chegava. E a minha casa era bonita demais pra ficar abandonada. Desculpa, cara. Mas o valor pra morar em mim é alto demais e você não quis pagar o preço. Você não foi fiel ao nosso contrato. Você foi inquilino que ficou tempo demais sem cumprir o acordo.
Eu te hipotequei pra pagar a minha dívida de ser feliz de novo.
E hoje, eu sou.
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