Era uma tortura, mas fiquei viciada em saber tudo o que rolava com ele pelas redes sociais.
Nós terminamos no estacionamento de uma pizzaria. Ele queria casar. Queria filhos, um emprego decente e um quintal grande para ter cachorros. Eu queria Nova York. E Londres. Talvez a Tailândia por um ou dois anos. Queria escrever e morar num apartamento horrível e viver uma paixão desajustada. Eu tinha acabado de fazer 21 anos e ainda não queria algo tão fácil.
Pedimos uma pizza para viagem, sentamos no carro dele e comemos em silêncio. Preferimos isso a pagar o serviço e ouvir a rádio horrível dos anos 90 que tocava dentro do restaurante, ou talvez fosse simplesmente melhor comer em silêncio.
“Tem alguma coisa errada”, eu falei.
“Erraram o pedido?”, ele perguntou preocupado, me lembrando porque eu amava ele.
“Não. Não com a pizza. Com a gente”, eu falei.
Sobrou um pouco de molho no queixo dele. Limpei com o dedo, mesmo sem saber se deveria. Chorando, nos prometemos várias coisas impossíveis, com a pizza não-comida gelando nos nossos pés. Quem sabe em alguns anos, falamos. E eu acreditei nisso por mais tempo do que deveria.
Foi minha justificativa para, três meses depois, espiar o perfil de Facebook dele durante uma madrugada. Eu me prometi que só queria saber se eles estava bem. Eu me convenci que só queria saber se ele tinha conseguido um emprego. Sabe, chechar se está tudo bem com os pais deles. Sempre havia um motivo para visitar o perfil dele.
A primeira foto deles juntos foi tirada em uma festa. Acho que era uma festa pelo copo de plástico na mão dela e o sorrisinho meio bêbado dele – aquele do qual eu tanto tirava sarro. Ele segurava ela pela cintura e enquanto eu olhava para a tela do computador, tentei não me lembrar de como eu me sentia quando ele colocava a mão na minha cintura. Talvez eles sejam só amigos. Será que eles já se conheciam enquanto namorávamos? Fiquei pensando se já tinham dormido juntos.
Eu me lembrei que não tinha o direito de me importar com isso. Mas eu me importei. Eu fechei o laptop com tudo. Já tinha me torturado o suficiente por uma noite. Mas assim que eu dormi, sonhei com ele.
Era inverno. A neve estava suja no estacionamento da loja de conveniência onde compramos papel higiênico. Estávamos encostados no carro e eu sentia que estava congelando. Ele respirou perto de mim, aquela nuvem de ar quente me aquecendo. Como em qualquer sonho desse tipo, a história não fazia sentido algum. Por que estávamos parados e não andando? Por que estávamos dirigindo o carro da minha mãe em vez do dele? Por que ele estava sem casaco? Por que ainda estávamos juntos?
Eu tirei minhas luvas e coloquei as mãos por baixo da camiseta dele, procurando seu peito. Ele sentiu arrepio e sorriu para mim.
“Eu só estou aqui para aquecer suas mãos, né?”, ele disse.
“Talvez”, eu dei uma risadinha.
Acordei com frio, procurando por ele na minha cama.
O momento depois de acordar sempre foi o pior de todos. Naquele momento, eu sentia que o sonho era real, que talvez a gente nunca tivesse terminado. Naquele momento em que eu voltava a dormir, desejando mais do que tudo colocar minhas mãos no peito dele. Aquele momento em que eu lembrava quão fácil era amar e ser amada e que parecia impossível que aquilo não fosse mais o caso.
Eu peguei meu celular no criado-mudo e dei uma olhada no Twitter. Eu precisava estar com ele, do jeito que fosse. Lendo os posts dele, conseguia ouvir a sua voz. Eu imaginava ele dando risada das próprias piadas antes de postar e sorria pensando nisso. Eu ouvia tão bem a voz dele que por um minuto nem me senti tão sozinha.
Seis meses depois de terminar, outra foto surgiu: ele e a garota do copo de plástico num jogo de baseball. Senti um nó no estômago quando entendi que ela se tornaria alguém presente na vida dele. Olhei aquela foto, cada um segurava uma bebida. Me perguntei se ela gostava de esportes ou só estava lá pela cerveja e pelos cachorros quentes, como eu. Ou se ela adorava olhar a calça justa dos jogadores, ou falar do pessoal bêbado em volta dela. Ou se eles estavam se divertindo.
Vendo eles juntos, com aqueles sorrisos sinceros e copos cheios, ainda assim não entendi que ele tinha superado. Talvez em alguns anos – eu sempre lembrava daquela promessa com facilidade. Eu não queria ele agora, mas isso não significava que eu não poderia ter ele nunca mais.
Eu não conseguia aceitar que ele podia se apaixonar por outra enquanto eu ainda o amava. Naquela época, eu não entendia que o amor podia ser algo tão platônico. Eu não conseguia imaginar que ele falava para ela coisas que tinha falado para mim, ou que olhava para ela do mesmo jeito que me olhou um dia.
Estava tão iludida que sentia dó dela. Aquela coitada que tinha um namorado que amava a ex. Engraçado como é fácil acreditar no inacreditável para não se magoar.
Eu pensava nele deitado na cama, olhando para o teto, desejando que aquela garota ao lado dele fosse eu. Era mais fácil imaginar que ele não conseguia dormir, me procurando pela cama, do que acreditar na real: que ele não estava pensando em mim.
A internet me contou várias coisas sobre ela. Que ela era linda e inteligente. Que ela era sociável e tinha um sorriso doce. Eu queria odiá-la, mas não conseguia. Ela tirava fotos com crianças e sorria de forma muito sincera. Ela ria de um jeito que me parecia autêntico. Ela parecia uma daquelas mulheres que não demora para se arrumar.
Olhava para a foto do perfil dela e depois para a do meu, tentando sair de dentro de mim e ser um juiz justo comparando nós duas. Olhava para nossos perfis e via tudo que a gente tinha em comum, e tudo que a gente não tinha. Meu rosto é mais angular que o dela, meu cabelo é menos loiros. Meu sorriso não é tão espontâneo, a não ser nas fotos em que eu estava com ele. Ela fazia mais trabalho voluntário que eu, mas eu parecia sair mais. Ela parecia vir de uma família com dinheiro, e eu parecia viver de roupas de doação e uma lista de supermercado enxuta. A gente tinha nossas diferenças, mas também tinha similaridades óbvias: amávamos nossas famílias, nossos amigos e o mesmo cara.
Foram meses assistindo eles se marcarem em fotos até a mudança do status de relacionamento. Eu sofria vendo eles trocando piadas internas no Twitter e especulava do que eles estavam falando. Percebi quando ela ficou amiga das irmãs dele e tirou fotos com a sogra. Fui a espectadora da viagem de férias dele, enquanto ele usava um relógio que foi presente meu. Vi eles dirigindo juntos no carro em que nos beijamos - o mesmo carro em que terminamos.
Eu vi o relacionamento deles chegar a fases que o nosso tinha chegado, e a fases que não tinha.
Eu me perguntava se eles brigavam. Me perguntava se o que ele fazia que tanto me irritava também incomodava ela. Me perguntava se ela também queria o quintal grande e o emprego estável.
Sim, eu poderia parar de acompanhar eles a qualquer momento, mas era um vício. Eu queria saber o que ia acontecer. Se eles iam dar certo. Ou, talvez, se não iam.
Apesar de me torturar tanto, nunca falei com ele.
Eu ainda queria Nova York. E Londres. E talvez a Tailândia por um ou dois anos. Nada tinha mudado. Mas eu gostava de ver as fotos daquele dentucinho. Eu gostava das caras bobas que ele fazia quando não estava pronto para a foto. Ele me lembrava de como era me apaixonar, e eu gostava disso.
Nós estávamos em caminhos opostos, mas eu ainda sentia uma atração inexplicável por ele. Era tão bom ter ele ali, tão acessível, mesmo se ele não estivesse de fato.
Eu não me achava uma stalker, mas talvez eu fosse – espiando a vida feliz de alguém por uma janela virtual. Acho que pensava que, só por vê-lo na tela do computador, de alguma forma ele ainda era meu e talvez eu não estivesse sozinha e talvez alguém me amasse. Talvez ele também estivesse espiando minha vida.
Com o passar do tempo, entrei menos no perfil dele. E quando eu entrava, não doía mais tanto. Ao contrário, passou a ser quase um tédio, uma dor familiar que deixa cicatriz, mas você sente mais a dor pela lembrança do que por qualquer outra coisa.
Comecei a conseguir passar uma hora sem pensar nele. Depois foram algumas horas, um dia, uma semana, um mês.
Hoje, quando entro no perfil dele, quase não sinto mais nada. Tenho orgulho quando algo de bom acontece na carreira dele, e fico triste se alguém morre. Fico feliz por ele estar apaixonado. Fico feliz que a garota do copo de plástico encontrou um homem tão bom.
Talvez hoje ele seja diferente. Não dê aquele ronquinho quando ri ou não faça sanduíche de pizza antes de comer. Talvez eu não conheça mais ele. Ainda assim, entrar no perfil dele me lembra de como fui capaz de amar e que sou digna de ser amada. Eu me lembro de que quando você realmente se importa com a outra pessoa, você nunca realmente a esquece.
0 commentaires:
Enregistrer un commentaire