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adstera

vendredi 29 mai 2015

Ela foi embora.



Ela foi embora. Ouvi dizer que, hoje em dia, ela sempre vai, de todo mundo. Ela desaprendeu a ficar. Cansou. Porque ninguém nunca ficou pra ela, também, ela diz. Tenho aprendido o quão triste é essa coisa de ser quem fica. Porque um dia, eu também fui.

Eu fui e a deixei. Eu não fui valente o suficiente pra ficar porque eu tinha medo desse sentimento que ela me causava. Qual é, caras, vocês devem me entender. A gente não quer se sentir refém de ninguém. A gente gosta de ser livre. Mas, quando eu conheci ela, eu sabia que eu tava ferrado. Ela tinha um desses sorrisos que desarmam qualquer autodefesa, e os olhos dela, ah, os olhos dela. Sempre foi o que mais me encantou. Eles gritavam, mesmo quando a boca dela estava em silêncio. E quase se fechavam acompanhando o sorriso, a deixando parecida com uma dessas japonesinhas que a gente tem vontade de embrulhar e levar pra casa. E eu tinha. Eu embrulhava ela nos meus braços e não queria mais soltar. E ela não se sentia incomodada. Ela se sentia protegida. Com aquela estatura pequena e os olhos escuros me encarando de baixo para cima com toda a doçura do mundo. Ela era doce, mas eu fui amargo demais.

Um dia, ela me pediu pra ficar pra sempre. Enroscada no meu peito, balbuciando de sono. E eu, sempre tão independente e seguro de mim, quando percebi que não fiquei indignado com o convite, surtei. Eu sempre achei tudo isso ridículo. Eu teria sentido nojo e rejeição instantânea por qualquer outra que tivesse me pedido isso. Mas ela pediu e eu nem achei má ideia. Vê se pode? Eu não podia me render assim. Eu tinha uma reputação. Eu tinha as minhas regras. E uma delas era não ficar. Não muito. Não pra sempre. Eu era dono de mim e não precisava que ninguém mais fosse. Então, eu fui embora.

Esperei ela dormir e me desenrosquei daqueles braços tão pequenos. Daqueles cabelos escuros. Daquelas pernas entrelaçadas nas minhas. Olhei pra ela, sonhando, tão inocente, e disse adeus, num sussurro.

Ela já tinha ouvido muito sobre mim. Todo mundo avisou ela. Mas ela dizia que acreditava que eu podia ser diferente. Eu não pude. Eu falhei, de novo. E fui embora. E deixei ela. Eu tentei seguir a minha vida, como fiz em todas as outras vezes que deixei tantas outras garotas. Mas machucar as outras nunca tinha me machucado tanto como fazer isso com ela. Eu sabia que ela era diferente. Eu sabia. Ela sempre me disse que não era como as outras, e ela não era. Ela cantava o dia todo. E ria. E chamava a atenção onde chegava, mesmo tímida, mesmo calada. Ela tinha essa coisa que chamam de presença. Uma doçura, um brilho no olhar. Uma ingenuidade de menina que não sabe ver o mal de ninguém, assim como não viu em mim.

Mas eu fiz questão de mostrar, naquela manhã. Indo embora sem deixar bilhete algum. Eu não consigo imaginar o que ela sentiu ao acordar, mas se doeu tanto quanto me dói hoje acordar sem tê-la ao meu lado, eu sou mesmo um canalha.

Por dias, eu parei meu carro na frente do apartamento dela, tentando ver algum sinal da sua presença. Uma roupa pendurada no varal. Uma carta não lida embaixo do tapete. Mas não encontrei nada. Nem ela. Eu senti tanto a falta dela, cara. Eu saí pelas noitadas tentando abandonar ela em algum canto que não fosse minha memória. Mas a lembrança dela continuava tão impregnada em mim quanto o seu perfume na minha camisa favorita. Que se tornou a minha favorita, justamente por ter o cheiro dela, que tanto me fez falta.

Eu frequentei os restaurantes japoneses favoritos dela e até tentei comer com aqueles palitinhos como ela fazia com tanta excelência e eu morria de rir. Mas eu só queria ver ela lá. Nenhum lugar era o mesmo sem os olhos dela. Felicidade alguma era completa se ela não estava lá pra sorrir também. E eu rio de mim mesmo escrevendo essas coisas e me achando patético, mas eu não me importo mais. Foi por medo de ser patético que eu a perdi. Que eu seja o maior pateta desse mundo aos olhos de qualquer outra pessoa, se ela voltar pra mim.

Se você a encontrar por aí, diz que eu sinto muito. Diz que eu sinto tudo. Eu sinto o arrependimento. Eu sinto a saudade. Eu sinto a falta e o medo. Diz pra ela que ela sempre foi muito melhor do que eu, e que, se eu não tive dó em deixá-la, que ela tenha dó de mim sem ela. Porque eu fico um trapo, cara. Eu fico vazio.

Depois de meses ansiando rever seu rosto, eu a vi, num dia desses, no mesmo botequim que a conheci, tão deslocada e perdida naquela noite de verão. Mas, agora, ela estava diferente. Ela não parecia mais vítima do ambiente, mas o dominava. Ela ria alto e usava batom vermelho. Ela passou pela porta de saída acompanhada com um cara boa pinta e quando esbarrou os olhos em mim, sentado do outro lado da rua, sua expressão mudou imediatamente. Seus olhos, antes iluminados, me encararam apáticos e tristes. Sobretudo, como sempre, ela conseguiu ser doce, porque, mesmo depois de tudo, seu lábio se inclinou ligeiramente em um sorriso de boca fechada. E depois de cinco segundos, seu olhar se desviou da minha direção para entrar no carro do cara que lhe abria a porta, com todo cavalheirismo que eu nunca tive.

Ela foi embora. Dizem que, hoje, ela sempre vai. Ela foi a menina que me transformou em homem. E eu... Fui o cara que causou a dor que a fez virar mulher. E que mulher.



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