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adstera

lundi 24 août 2015

O perdão do amor é mais difícil


O amor se magoa mais do que a paixão. E tem gente que tende a achar o oposto. Tem gente que pensa que o vínculo do amor é tão forte, que por isto pode se afastar um pouco dele, arranhar as laterais e voltar depois, que conserta. Pelo amor ser mais sólido, mais seguro e mais fixo, creem que é mais difícil de ser derrubado, esturrado, rachado de forma duradoura. Mas justamente por todos esses motivos, ele é muito mais fácil de ser contundido.
A paixão faz o perdão ocorrer com mais facilidade. Sem nada a ser perdido, somente preenchido. Quando é ela, e só ela, a alma fica muda, é mais matéria do que coração, e isso faz com que inconsequências ocorram pelos impulsos, pelo momento, pela loucura. O amor faz loucuras, sim, o amor é maior, contudo, ele pensa mais, é tudo reflexo, é tudo procura do respeito, é tudo voto a ser zelado, é tudo mais milimetricamente importante. É um cosmo inteiro de minúcias fundamentais. É tudo consequência. Teia. Ele sonha com precisões, ele é tão mais real que para viver faz mais cálculos e guarda com maior grandeza cada dorzinha.
O amor tem mais o que perder, tem o antes, o agora e o depois. Tem a intimidade, a amizade, a dependência. A paixão só tem o instante que se alimenta do passado e de frutos sem tanta credulidade, come a esses pratos nos toques para existir no exato momento, mas sabe que se for, que se realmente for embora um dia, não vai deixar um buraco nos acontecimentos mais cotidianos, no escovar dos dentes, no pentear do cabelo, na certeza de quem é cada um. O amor é o peito, o peito é alma e a alma é onde fica mais fácil de remoer.
O amor tem princípios, que são maiores do que os de quem ama, que engrandecem os valores de quem sente. O amor tem uma lista de itens característicos que o acompanha. A paixão só tem a ela. A paixão quando ferida, sangra somente nela mesma e nas suas juras descabeladas feitas sem uma crença total (o que dá no mesmo individualismo e simplicidade). O amor quando ferido, sangra no plural, nos planos, nas certezas, nas verdades, nas constâncias, na terra que passa a ser lama, no conforto da familiaridade, na tranquilidade das confidências, nos agasalhos dos defeitos compartilhados, nos interiores dos atributos descobertos/criados/imaginados a dois.
É muito mais simples para um apaixonado que não ama, absolver e desculpar. A paixão só quer ser, a paixão se rende a uma boa pegada na cintura e a um olhar intenso, a algo que acalme na hora de forma que traga possibilidades. O amor não quer ser, ele é. Ele só se rende a garantia, a algo que acalme pela eternidade, de forma que traga afirmação. Tão mais forte quando sendo, tão raquítico quando posto em dúvida.
Quem perdoa rápido demais não cultivou ainda um destaque pelo outro em medida elevada. Até o apaixonado precisa pensar, cicatrizar e requerer. A paixão pode dar um perdão com porcentagens sinceras, com amnésia vez ou outra, mesmo que, dependendo do caso, também não consiga por completo desculpar. Afinal, ela não é lá coisa miúda, pelo contrário, quando está, quer ser o centro das atenções, quer ganhar da força do amor, se finge capaz de segurar tudo. Só que o amor não demora a relevação quando golpeado em seus princípios, ele simplesmente não perdoa, nunca, mesmo se perdoar.
O apaixonado vai pensar "e agora?". Quem ama vai pensar "e daqui a cinco anos?". O peso dos erros para um apaixonado (e somente apaixonado) é retraído nas mais doidas manobras feitas para se desculpar, em qualquer maneira que mostre os mais altos graus de desatino que o culpado pode chegar para conseguir o perdão. O peso dos erros para quem ama é retraído nas mais concretas metodologias de comprovar. Em algumas seletivas maneiras que mostrem as mais repetidas formas que o culpado pode chegar para conseguir a tentativa de ainda, quem sabe, se redimir.
A paixão é recuperável em mesmo tamanho. O fogo pode ser refeito com mais madeira. O amor nunca é recuperável em mesmo nível depois de uma quebra de asserção. De todos os sentimentos, o mais forte e invariável é o mais fácil de ser destruído, por ser o mais difícil de restaurar. Todos os níveis passados para chegar no estágio do amor só podem ser concretizados uma vez, e dali, mantidos. Qualquer fator que cause a queda para um grau menor, que requeira a prova de que aquele ponto ainda é válido, destrói todos os outros mais antigos conquistados.
O perdão do amor é o mais difícil. Porque na paixão as decisões são para o romance, no amor as decisões são para a vida. O amor é fusão de tempos e seres, no amor tudo fere mais à frente, tudo fere mais detalhes. Mesmo que a paixão seja mais intensa em horas de clímax, o amor é mais intenso em contagem de horas integrais, porque no amor cada ato futuca um pacote de considerações, porque em todos os outros sentimentos não existe tamanha instância. A paixão precisa comprovar o crédito, o amor, a confiabilidade já estabelecida. Nada é tão mais existente, e se tirar um pedaço do que o faz ser o que é, ele deixa de progredir, como nada mais tem a capacidade.
É como naqueles antigos jogos da cobrinha. A cobra fica gigante, mas bem mais frágil assim. A paixão é a cobrinha pequena se alimentando, todos os outros sentimentos são. Ela só pensa em crescer, em estar para ficar maior, como um almejo cego por explosão.
A paixão às vezes some, enjoa, fica esperando mais agoras. O amor prossegue com a nutrição do que foi e será, e tem algo que não o deixa ir. O amor é tolerante, por vezes até entediante de tão brando, porque tem o bem-querer. E é aí que está. Destrua a certeza desse querer bem, e perca, integralmente, a certeza do seu perdoar.  


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