
Eu já esperava que minha mãe levasse você até mim. Por mais que nunca tenha reconhecido, tu sempre fora demais para mim. E então, quando me disse adeus, tudo se tomou por uma imensidão de vazio. Antes, quando te tinha para chamar de melhor amigo, eu acreditava que essas faltas eram apenas inconstâncias de momentâneas ausências. Depois senti outro vazio: a dor da sua partida.
Mas era vazio de qualquer jeito.
Mamãe me dizia que não valia a pena, que apesar de tanto, você tinha ficado no passado. Nós não existíamos mais. E a tua ausência virou minha doença. Entorpeceu até mesmo aquilo que desconhecia. Cada vez mais me levava a pensar se o erro não era eu. No fundo eu sabia muito bem que esse adeus não fora tão doloroso para ti. Que eu, mais uma vez, estava sofrendo por nós, por um fim que só eu senti. A distância, mal pude perceber, já estava entre nós.
Foi quando a nossa música tornou a minha preferida.
Eu sentia falta demais de ti.
Mamãe me escutava chorar e falar sobre ti noites inteiras. Ela nunca quis me ver mal, e você me deixou assim. E me dizia que nunca mais deveria olhar para seu rosto ou me importar contigo. Me disseram que sua vida ia melhor do que nunca. E eu, enquanto isso, sequer tinha forças para o meu sustento. Foram dias. Semanas. Meses. Você nunca soube que estive doente. Que se fosse por mim, minha vida poderia acabaria em um minuto qualquer: não faria diferença. Tinha sede de que passasse, apenas. A dor e o vazio tomaram-me de uma forma que mal posso entender o quanto de corpo tive para tanta falta. Desde então, nunca mais saí do meu quarto. Das vezes que daqui me tiraram, foi no colo. Mamãe reconhecia o tamanho da minha dor, e sabia muito bem porquê. Eu mal tinha forças para pronunciar uma palavra que fosse.
Eu já estava fraca demais para a vida.
Mas vejo você entrar no meu quarto. É difícil acreditar. Eu não dormia, que há muito minha vida é tão escura que é indiferente fechar os olhos. A escuridão está por todos os lugares, inclusive dentro de mim. Sinto-te se aproximar. Mamãe está na cadeira, e vejo pena nos olhos dela. A única luz que penetra do quarto vem da fresta da janela. Tudo está preto, mas vocês parecem brilhar. É uma sensação estranha. Seus olhos estão tão amedrontados quanto da mamãe. Porque tu sabe que tem culpa disso, mas nunca quis assumir o mal que me fez. Estou pálida e fraca, e tu percebe tudo isso. Ainda consigo entender o seu olhar, e espero que ainda consiga entender o meu. Quero que veja o quanto dói em mim, que se arrependa do que nunca quis para nós. Mamãe tenta esconder as lágrimas que descem dos seus olhos, e eu fingo um sorriso fraco. Ela não precisava passar por isso. Eu morria aos poucos, e ela nada poderia fazer. Sinto que a culpa toma-lhe o corpo aos poucos, e sua mão toca a minha.
O silêncio sempre foi sua melhor palavra.
–Eu sinto muito. –você diz. E como eu poderia responder? Eu mal tenho forças. Mas eu ainda tento falar que eu também. Eu também sinto muito. Meus esforços são em vão. Vejo mamãe chorar alto pela minha fraqueza.
Seus olhos brilham. São lágrimas. –Por favor, me ajude, me ajude. –eu digo, com as poucas forças que me restam. Sinto tua piedade.
–Me perdoe, Mariana.–você chora.
E eu inacreditavelmente ainda consigo fazer o mesmo.
–Mamãe... –minha voz soa como uma lamúria, um desespero da súplica. Ela se aproxima e senta ao teu lado.
Tu aperta minha mão mais forte.
–Fala, filha. –ela me olha com pena.
–Acende a luz? –sussurro enquanto o sufoco sobe-me a garganta. Vocês dois se levantam, mas tua mão ainda segura a minha.: você percebe o quanto o teu toque me dá forças.
–Do quarto, filha? –ela reconhece a tristeza no meu olhar.
–Da minha vida, mamãe... da minha vida!
Ela não podia, nem mesmo você. Ninguém mais podia. Abraçam-me chorando. O resto da luz da minha vida vai se apagando, apagando, acabando. Meu pulso fica lento, minha respiração falha. Minhas últimas lágrimas. Você veio, mas já é tarde demais. Eu também sinto muito por isso. Acabou. A luz da minha vida apagou.
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