Quando penso em você, as primeiras memórias que me vêm à cabeça não são traços do nosso começo e tampouco estilhaços do fim. Não lembro logo de cara do nosso primeiro beijo, do primeiro abraço ou do primeiro dia em que tivemos coragem de finalmente disparar uns elogios acanhados. Não tenho a princípio, as amostras mentais do primeiro instante em que conheceu a minha família, entrando pela porta para nunca mais sair com totalidade e/ou trechos das nossas primeiras conversas realmente profundas. Não recordo também assim, inicialmente, dos primeiros meses em que os motivos para o desfecho arrombaram as nossas maçanetas. Não lembro primeiramente de quando, pouco antes do término, chorei tanto no banheiro, tanto, que mal conseguia respirar, mas ainda achava forças para gritar as minhas razões até elas chegarem em seus ouvidos calejados do outro lado da fechadura. Não é tão lá e nem tão cá que nos encontro. O que comparece antes de quaisquer outros momentos na minha mente, é o meio. É nele que nos visualizo, compreendo e guardo.
Lembro das risadas que emitíamos tarde da noite, na escuridão do quarto, em meio a uma conversa qualquer, daquelas que tínhamos antes de cair no sono em uma posição que só ganhava real conforto ao longo dos nossos destrambelhados ajustes noturnos. Lembro das reflexões que fazíamos após assistir um filme, tentando retrair mensagens até da comédia mais bestial. Lembro, inclusive, dos momentos em que você ficava no computador xingando por conta daquele jogo que nunca entendi bem, enquanto eu escrevia algo novo, e ali, mesmo não compartilhando dos mesmos afazeres, nos olhávamos e sabíamos no segundo da troca de retinas que aquelas horas seriam muito menos seguras e prazerosas se não tivéssemos um ao outro.
Lembro de você em cada "entre", em cada fragmento do meio. Porque o meio é o que sustenta, é cada minuto de tédio e de montanha-russa que já cheios de certezas, nos dão motivos para prosseguir e nos certificam da nossa força. Lembro de você na rotina, de nós dois procrastinando na segunda-feira e nos apressando para pôr em dia os atrasos das obrigações semanais na sexta. Penso em nós na normalidade da semana, jogados no sofá na ausência de grandes novidades, em pleno aguardo por um sábado e novo domingo que, por vezes, não cobriam todas as expectativas feitas.
Lembro de você lendo curiosidades na internet enquanto eu fazia um miojo, e de você tentando entender aquele meu trabalho imenso no qual pedi uma opinião, enquanto eu me esforçava para depreender e acrescentar ao meu máximo no seu também. Lembro da nossa primeira "queda da paixão", em que o sexo ficou basicamente em abstinência por um mês, e parecia não ter mais jeito até que, insistindo com fé por todos os outros bons motivos, descobrimos que isso era completamente normal e resolvível como tudo, com um toque de bom humor, conversas sem encabulações e certos esforços para a renovação. Lembro de você amadurecendo com os nossos problemas e soluções, e de mim endurecendo com os problemas e soluções da vida, e de nós, então, nos ensinando a cada "estou aqui" que não precisávamos empedrar para crescer.
A verdade por trás dos casais felizes é a garra de aguentar o meio, transformando, os mais valentes deles, o meio em um meio sem fim. É que o meio é mais realístico, mais palpável, mais teste e prova, mais amor. Amor não idealizado, amor de verdade, amor que fica, que segura, que dura. É no meio que me deparo com os nossos maiores planos, com a esperança, com a intimidade. É no meio que alcanço a nossa paciência mútua, a nossa maneira de não evocar a barganha e nenhum tipo de competição, entregues acima de tudo à mais límpida amizade. Sendo estes, os principais elementos de um relacionamento maduro, que tinha tudo, no meio, para não cair do pé. É no meio que os defeitos são escancarados e que as afirmações se asseveram. Um casal que não consegue atingir um meio duradouro, e principalmente, um durante mais pacífico do que turbulento, pode não piorar, porém nunca obterá entranháveis melhorias e nem grandes e perduráveis vitórias. Os nossos frutos não foram eternos, contudo prosseguem eternizados, entre cada extremo.
Entre o "para sempre" e o "nunca mais", entre o "eu te amo" e o "siga o seu caminho", entre o "não esquece o seu remédio, coloquei o alarme" e o "você se vira", é que nos acho. É entre cada ponta, é nesse meio imenso que foi fincado o meu amor por você, e é por ele que não consigo odiar-lhe nem ao lembrar das guerras finais e nem pelas facadas ditas naquela última discussão. É pelo nosso meio que mais nos admiro e que assimilo porque não desisti nos primeiros pontos negativos. É através dele que nos julgo capazes de outros futuros felizes e que não me carrego de arrependimentos. É entre todas as nossas coisas que você está nas minhas lembranças, e é acima de todas elas que está o nosso entre, explicitando o quão mais repleto de carga significativa é um amor que consiga passar por um meio como o nosso, eletrificando os lados pai e mãe (por tanto cuidado doado), amigo e homem, mulher e parceira, de cada componente, e justificando o porquê valeu a pena e vale um amor que tente no dia-a-dia, chegando ou não, ao seu decreto final.
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